(Com edição de Ricardo Mituti)
Em meu artigo desta semana, gostaria de abordar um tema que me impressionou positivamente nos últimos dias: os dois grandes eventos focados no universo do futebol que aconteceram em Recife (PE) e Fortaleza (CE) e para os quais tive a alegria de ser convidado a participar como palestrante e debatedor.
A capital pernambucana foi palco da 1ª Conferência de Futebol do Nordeste (ConFut), realizada em 7 e 8 de novembro para mais de 300 pessoas. Já no Ceará aconteceu o Futforum, no dia 9. Figuras importantes do futebol estadual e nordestino também marcaram presença por lá.
Antes, porém, de discorrer sobre o que vi e vivi nessa minha volta à região – a primeira desde que deixei o Esporte Clube Bahia, em 2017 -, vou me permitir fazer uma rápida viagem ao passado para contextualizar a importância dessas iniciativas para o futebol brasileiro.
Comecei a me aproximar da modalidade em 1996, ainda de forma política, ligado a um movimento que surgia no Sport Club Internacional, com a proposta de profissionalização da gestão do então combalido Colorado gaúcho. Os tempos eram sombrios pelos lados do Gigante da Beira-Rio. O clube atravessava momentos difíceis dentro e fora das quatro linhas.
Em 1998, fui eleito conselheiro do Inter por esse movimento. Dois anos mais tarde, integrantes do nosso grupo chegaram à presidência. Fui então designado diretor colaborador da área de Marketing, e, assim, debutei formalmente no futebol.
Nessa época praticamente não havia bibliografia, cursos, eventos ou outras fontes confiáveis que nos oferecessem soluções rápidas e salvadoras passíveis de serem implementadas no clube, de modo a recolocá-lo nas sendas de vitórias dos áureos anos 50 e 70. Nosso foco principal, veja você, era ter um site atraente para encantar a torcida e conquistar associações.
Dizer que tudo mudou, 20 anos depois, é muito mais do que uma obviedade.
Hoje, os profissionais que trabalham com gestão do futebol têm à mão, com incrível facilidade, material aos borbotões, redes sociais próprias, grupos especializados de WhatsApp, cursos presenciais e EAD, aplicativos, softwares e uma gama de conteúdos que parece não ter fim. E isso tudo, claro, causou uma verdadeira revolução, responsável pela criação de um mercado que, se ainda não se tornou indústria, como almejamos, pelo menos se consolidou enquanto oportunidade de carreira. Efetiva e definitivamente, o futebol também se transformou num grande negócio para quem não é jogador, treinador, empresário e/ou dirigente político.
Todo esse prólogo para, agora sim, falar sobre minha nova passagem pelo Nordeste.
O que mais me surpreendeu, para além dos nomes importantes que lá também estiveram – como o treinador Alexandre Galo; o ex-presidente do Bahia Marcelo Sant’Ana; o advogado Marcos Motta; o gestor do Red Bull Bragantino, Tiago Scuro; e o grande defensor das marcas próprias Alexandre Dalla, entre outros -, foi a perfeita organização dos eventos, que nada deixaram a desejar aos realizados em São Paulo e Rio de Janeiro, eixo econômico do Brasil.
Destaco, também, a grande presença de público e a inúmera quantidade de novas ferramentas disponíveis para aprimoramento da performance e gestão das instituições esportivas – úteis tanto para equipes profissionais e categorias de base quanto para a administração e áreas como Finanças e Marketing, por exemplo.
Ambos os eventos evidenciaram uma linha de futuro para os clubes de futebol que deixa ainda mais ultrapassado o conceito de profissionalização. Boa parte das programações foi dedicada a questões como transparência de gestão; compliance; modernização de estatutos; clube-empresa; alternativas ao modelo vigente de planos de associação; perfil omnichannel do novo torcedor; atração de público a estádios e arenas; retenção de jovens talentos no Brasil; e a importância de ações sociais e afirmativas pelas agremiações – tema este, aliás, que tratei na minha última coluna neste MKT Esportivo (relembre aqui).
Sobre o Futforum, de Fortaleza, faço questão de mencionar dois ótimos painéis: o que debateu o futebol feminino, hoje fortemente apoiado pela Federação Cearense de Futebol, e o comandado pelo presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Ceará (SAFECE), o ex-jogador Marcos Gaúcho, cujo tema foi “A Vida Depois da Bola”. Este mostrou, pela perspectiva de ex-atletas, como as novas gerações devem se preparar para o final de suas carreiras – com ênfase às dificuldades e barreiras que eventualmente podem acompanhar a aposentadoria.
Outro ponto alto do evento foi o envolvimento de jogadores e ex-jogadores – que, segundo a organização, compunham mais de 30% da plateia. Mérito do próprio SAFECE, que estimula e financia a participação do pessoal em cursos e eventos.
Destaco, ainda, as presenças dos presidentes e dirigentes dos três clubes mais tradicionais da capital cearense – algo que não se vê com frequência mesmo nos eventos promovidos em São Paulo e Rio -, e de um bom número de jornalistas, representantes das principais emissoras de rádio e TV da cidade.
Mas, se por um lado fiquei muito feliz por ver como o futebol nordestino está trabalhando forte para reduzir as distâncias em relação a outros centros do País por meio da qualificação e do intercâmbio de conhecimento – algo que, na minha opinião, coloca a região como referência no Brasil na atualidade -, por outro fiquei convicto de que a minha região Sul – e, em especial, o Estado do Rio Grande, casa de dois clubes campeões mundiais – vive tristes tempos de letargia no que concerne a avanços na gestão do esporte mais popular do planeta.
Que os bons exemplos trazidos pelo Nordeste possam inspirar uma guinada nessa realidade e tenham potencial para estimular outras articulações do gênero em todo o território brasileiro – e não apenas aqui no quintal de casa, naturalmente! Quem sabe assim as novas gerações de gestores do futebol não terão o desprazer de vivenciar outros tempos de amadorismo e obscurantismo administrativo como aqueles que enfrentei duas décadas atrás.
Um viva aos amigos, colegas e profissionais do futebol nordestino!
Imagens: Futforum / Confut Nordeste